Acordei ouvindo uma tosse discreta e assim que abri os olhos, lá estava ela, sentada na rede me olhando inquisidoramente. Demorei alguns minutos para reconhecê-la, fazia tempo que não a via.
– Vim saber de você, embora tenha me abandonado há tanto tempo…
Quis ruborizar pela vergonha por ter, de fato, esquecido como ela era bonita, embora estivesse me parecendo meio esverdeada. Deve ser a sombra do quarto, pensei. Observei melhor: ela parecia ser de porcelana, o olhar meio suplicante, mas estava tranqüila.
– Uma visita, assim, sem aviso?
– Pois é, você sabe, embora estejamos um tanto distantes, eu ainda sinto quando você precisa de mim. Devo ficar?
– Claro, eu não estou sabendo como agir, acho que fiquei desconcertada, mas por favor, fique. É uma boa hora para tomarmos um café sem que ninguém peça por mim.
– Eu vou no seu lugar se chamarem.
Hesitei:
– Melhor não… as pessoas podem não entender…
– É isso, essa sua mania de se preocupar com o que os outros podem pensar é que está acabando com você.
Ela ficou esperando que eu falasse alguma coisa e foi então que pude observar seu tom esverdeado: na verdade ela estava mofada!!
– Fui eu quem fez isso?
– Você não fez muita coisa, só parou de me chamar e o tempo se encarregou do resto. Você parecia sempre tão auto-suficiente. Eu fiquei esperando e achei que você me convidaria para entrar em cena a qualquer momento. Mas você é difícil, … você, às vezes, é patética…
Ela sorriu. Tentei sorrir de volta:
– Desculpe, minha intenção nunca foi essa, você sabe. É que se deixo você assumir as coisas, elas me escapam e eu desabo…
– Eu sei. Foi só mais tarde que você me chamou, mas você estava apaixonada, nem notou que eu também estava lá…
– Acho que sei, acho que lembro…
– E depois quando a vida entrou na roda viva dos dias, você me esqueceu de novo. Voltei agora. Se você nos permitir…
– Não sei se é de você que eu preciso… Quero alguém que me pegue pela mão e me faça apostar sem receio, uma pessoa só (minha!) bastaria que me dissesse: eu seguro a minha onda, fica tranquila, cuida de você…
— Utopia, você sabe. Deixa que eu assumo, mesmo que se assustem, mesmo que não entendam. Preciso sair desse mofo, também sou você. Encarcerada, mas ainda assim, você.
– Não sei…
– Mas o que pode dar errado que já não esteja o caos? Deixa que eu assumo, você descansa e cada um que se vire com suas alternativas…
Eu queria dizer não, mas a palavra não saiu. Eu acho que estava cansada demais. E depois, ela era um pedaço de mim, minha Cinderela e ainda que mofada, parecia ter direito ao que me pedia. Não era mesmo uma má idéia…
Fechei os olhos, virei para o lado e pedi num sussurro:
– Me chama às dez.
– Pensando bem, só me chama quando tudo estiver mais calmo…
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